Hipoglicemia no Diabetes
Hipoglicemia
Um dia desses, não faz muito tempo, eu estava sentado aqui, em frente ao computador, fazendo exatamente o mesmo que estou fazendo neste momento: escrevendo um artigo para um blog. Lembro inclusive do tema: programação em linguagem de computador C++, para meu outro projeto online.
Tudo corria bem até que, sem aviso prévio e de forma muito rápida, minha visão ficou embaralhada, minhas mãos começaram a tremer um pouco, e comecei a suar profusamente – e não estava calor naquele dia. Eram por volta das 13:45 da manhã, e eu resolvi me deitar na cama para descansar um pouco.
Eu dei sorte. Estava sozinho em casa, e logo após deitar, antes que a confusão mental tomasse conta de mim, de dei conta do que estava acontecendo: eu estava sofrendo um episódio de hipoglicemia. Rapidamente, me levantei, peguei o glicosímetro na gaveta e testei minha glicemia. O resultado é o que se vê na foto a seguir, que eu tirei posteriormente – na hora, não tinha tempo a perder: precisava me alimentar o mais rápido possível para evitar o pior. Afinal, eu estava sozinho em casa.
34 mg/dL – hipoglicemia forte. A muito custo consegui descer a escada em direção à cozinha – e desci, literalmente, me arrastando, pois estava com muita tontura e palpitações começaram a ocorrer (não apareceram antes por um motivo que detalharei mais à frente).
A fome era imensa, mas eu fiquei parado em frente à geladeira sem saber o que fazer – não conseguia decidir os próximos passos. Minha mente havia começado a ficar confusa e eu estava perdendo a capacidade de raciocínio. Tudo muito rápido. Instintivamente, abri a porta da geladeira e peguei a primeira coisa que vi disponível – uma caixinha de achocolatado, de 200 ml.
Mal conseguia tirar o plástico e colocar o canudo para poder beber, tamanha a tremedeira naquele momento, mas por fim consegui e sorvi aquele mel em questão de segundos – em torno de 30 g de açúcar puro na bebida.
Deitei ali mesmo, no chão da cozinha. Estava ficando sem condições até mesmo de caminhar até a sala.
A fome não passava – ao contrário, aumentava, e cerca de dez minutos depois eu estava de pé novamente, procurando o que comer – e acabei consumindo uma barra de chocolates inteira e bebendo ainda um copo de leite. Mais uns 10 minutos se passaram e, como por um passe de mágica, eu estava de pé, sem tremedeira, com a visão restabelecida, sem palpitações – e fui me testar novamente.
125 mg/dl.
Um pouco acima da minha meta diária, mas perfeitamente seguro para prosseguir com minhas atividades normais. Escapei dessa vez.
Afinal, o que aconteceu? Por que minha glicemia caiu tanto tão rapidamente, e porque isso é tão perigoso?
Eu tive um episódio de hipoglicemia. Mas o que é hipoglicemia? Por que ocorre a hipoglicemia? E, muito importante, como evitar a hipoglicemia?
O que é Hipoglicemia
A hipoglicemia é uma ocorrência relativamente frequente em muitas pessoas com diabetes, especialmente diabetes tipo 1 e também tipo 2 que usam insulina ou determinados medicamentos, como sulfonilureias. Episódios, como o que me ocorreu (mais de uma vez, infelizmente) tem uma mortalidade significativa e causam um impacto negativo acentuado no controle glicêmico dos indivíduos.
No geral, a concentração de glicose no sangue é mantida em uma faixa de valores estreita ao longo do dia.
A glicose é considerada como a principal fonte de energia para o funcionamento do cérebro, exceto em condições de jejum muito prolongado. O cérebro não consegue produzir nem tampouco armazenar glicose e, portanto, requer um fornecimento constante e contínuo do carboidrato a partir da corrente sanguínea. A manutenção da concentração de glicose no plasma sanguíneo acima de um certo nível é essencial para a sobrevivência do cérebro – e, obviamente, do organismo.
Fatores que pioram o quadro são problemas no sistema contrarregulatório de glicose do corpo, e ausência de sintomas até que o nível de glicose esteja baixo demais.
O que é considerado hipoglicemia?
Não há um nível de glicemia cientificamente oficial para determinar o que é e o que não é hipoglicemia (ou simplesmente “hipo”), mas é amplamente aceito o valor de 70 mg/dl (3,8 mM/L) como um valor de alerta. Abaixo disso considera-se que a pessoa está em um quadro de hipoglicemia leve, que pode piorar rapidamente na sequência.
Uma hipoglicemia é considerada severa se for necessária a assistência de outra pessoa para administrar carboidratos, uma injeção de glucagon, ou outras ações de emergência. Ou seja, quando o diabético perde a capacidade de cuidar de si próprio ou até mesmo perde a consciência – o que é muito perigoso e pode acabar resultando em morte.
A administração excessiva de insulina pode provocar a absorção excessiva e muito rápida de glicose por determinados tecidos do corpo, como os músculos, de modo a exceder a liberação de glicose sistêmica pelo fígado e rins, levando à diminuição da concentração de glicose no sangue.
Quando os níveis de glicose diminuem até cerca de 70 mg/dl, ocorre um aumento na secreção de hormônios contrarregulatórios, como o glucagon, adrenalina, cortisol e hormônio do crescimento. O glucagon e a adrenalina possuem um efeito imediato na cinética da glicose, ao passo que os efeitos dos outros hormônios podem ocorrer horas depois.
Essas respostas – em condições fisiológicas normais – previnem uma queda continuada na concentração de glicose no plasma, e restauram seus valores normais.
Se a queda atingir cerca de 60 mg/dl, sintomas chamados de avisos autônomos são disparados – fome, ansiedade, palpitações, suor e náusea), que devem ser o gatilho para a pessoa se alimentar naquele momento, e impedir assim que a hipoglicemia se torne mais séria.
Note que, no meu caso, esses sintomas só foram se manifestar quando meu nível de glicose já estava na casa dos 30 mg/dl.
Com aproximadamente 55 mg/dl, outros sintomas começam a aparecer, como visão borrada, fala arrastada, confusão, dificuldade de concentração. Valores abaixo de 30 mg/dL, se mantidos por muito tempo (algumas horas)a podem levar a convulsões, problemas neurológicos permanentes, coma e até mesmo a morte.
O problema da hipoglicemia em diabéticos
No diabetes, especialmente no diabetes tipo 1 (DM1), as defesas do organismo contra a hipoglicemia não funcionam corretamente, ou estão totalmente ausentes. Assim quando o nível de glicose no sangue cai abruptamente, pode não ocorrer a secreção dos hormônios contrarregulatórios, e o nível de insulina no sangue não diminui. A resposta do glucagon desaparece ao longo da doença, e da adrenalina diminui com o passar dos anos.
Além disso, é comum não ocorrerem os sintomas supracitados, pelo menos até que um nível muito baixo de glicemia seja atingido. Os sintomas de aviso autônomo deixam de funcionar, o que impede a pessoa de tomar providências rapidamente – como se alimentar imediatamente.
A hipoglicemia pode ocorrer durante a noite também, sendo chamada de “hipoglicemia noturna”, e é geralmente acompanhada de sintomas como distúrbio do sono, pesadelos, e acordar no meio da noite suado.
Fatores de risco para a hipoglicemia
A principal causa de hipoglicemia em diabéticos é o tratamento com insulina ou medicamentos secretagogos, como as sulfonilureias. Alguns outros fatores são listados a seguir:
- Tratamento com insulina ou medicamentes que promovem excesso de insulina no corpo
- Sistema de contra regulação de hipoglicemia defeituoso
- Deficiência de hormônios empregados na contra regulação
- Doença crônica dos rins
- Falência no fígado
- Uso de drogas e consumo de bebidas alcoólicas (muito comum)
- Idade avançada
- Gravidez (principalmente no primeiro trimestre)
- Anorexia nervosa
- Desnutrição
- IMC muito baixo
- Pular refeições
- Dose incorreta de insulina
- Overdose de insulina (muitas vezes intencional)
- Doenças graves, com queimaduras severas, infecções agudas, sepse
O meu caso foi exatamente isso: reação à insulina. Naquele dia, eu havia injetado insulina um pouco antes do episódio de hipoglicemia, em torno das 11:50h. Raramente sinto alguma dor ao aplicar a insulina, mas naquele dia lembro-me de ter sentido um pouco de dor, e uma gota de sangue saiu ao retirar a agulha. De acordo com meu endocrinologista, é possível que eu tenha “acertado” uma veia na barriga, e por isso a insulina foi absorvida na corrente sanguínea muito rapidamente – e o efeito que deveria levar horas para ocorrer ocorreu em minutos.
Hipoglicemia em pessoas não-diabéticas
A hipoglicemia também pode ocorrer em pessoas que não tem diabetes, mas isso é muito menos comum. Quando ocorre, geralmente é causada por algum dos seguintes fatores:
- Medicação: Algumas medicações podem causar hipoglicemia, principalmente em crianças e pessoas com falência renal. Um dos exemplos é a quinina, usada para tratar malária (e componente principal da água tônica!)
- Consumo de álcool em excesso: Beber demais sem o acompanhamento de comida pode impedir que o fígado libere a glicose armazenada na corrente sanguínea, levando à hipoglicemia. Em casos mais graves, a pessoa pode acabar em um hospital tomando glicose na veia.
- Doenças específicas: Doenças no fígado como hepatite ou cirrose, e problemas renais podem afetar o nível de glicose no sangue também.
- Tumor no pâncreas: Um tumor no pâncreas raro, chamado de insulinoma, faz com que o órgão produza muita insulina, levando à hipoglicemia.
- Deficiências hormonais: Desordens e tumores em determinados órgãos, como nas glândulas adrenal e pituitária, podem resultar na deficiência na produção de determinados hormônios que regulam a produção da glicose. Um exemplo é o hormônio do crescimento, que em excesso pode causar hipo.
Sinais e sintomas da hipoglicemia
Na tabela a seguir listo os sintomas e sinais mais comuns que indicam a ocorrência de hipo em um indivíduo, e aos quais devemos prestar muita atenção para detectar e tratar a ocorrência com rapidez e eficácia.
- Ansiedade
- Irritabilidade
- Tremores nas mãos e corpo
- Fome
- Suores frios
- Dor de cabeça
- Parestesia (sensação de formigamento)
- Enfraquecimento cognitivo
- Alterações de humor repentinas
- Fadiga, cansaço ou sonolência
- Tonturas
- Alterações visuais, como visão borrada ou embaçada
- Fala arrastada
- Convulsões
Esses sintomas podem ocorrer em conjunto, ou aparecerem aos poucos, conforme o nível de glicose na corrente sanguínea cai.
Como tratar a hipoglicemia
O tratamento da hipoglicemia tem como objetivo normalizar os níveis de glicose no sangue (euglicemia), prevenir novas ocorrências e aliviar as causas.
O melhor método de tratamento deve sempre ser discutido com seu médico; no geral, a ingestão de algo em torno de 15 a 20 g de carboidratos a cada 15 ou 20 minutos, até que o nível de glicose seja restabelecido (acima de 80 mg/dl mínimo), deve ser suficiente.
Porém, se a pessoa estiver inconsciente ou não conseguir engolir, NÃO se deve administrar absolutamente nada por via oral, sob risco de aspiração e asfixia graves. Nestes casos, uma injeção de glucagon deve ser administrada por alguém próximo, o suficiente para reviver o paciente e somente então administrar carboidratos por via oral. Na dúvida, procure sempre um hospital.
Casos mais graves (como indivíduos em com) devem ser tratados em um hospital, evidentemente.
Conclusão
A hipoglicemia é um problema comum e que pode ser grave, recorrente em pacientes diabéticos, principalmente em DM1 (Diabetes Mellitus tipo 1). É importante saber reconhecer quando ela ocorre, e tomar providências o mais rápido possível, para evitar problemas mais graves, pois a hipoglicemia pode resultar em danos neurológicos permanentes ou até mesmo a morte.
É muito importante seguir o tratamento do diabetes de forma adequada, sempre monitorando os níveis de glicose no sangue, não pulando refeições e jamais aplicando doses de insulina diferentes das determinadas pelo médico.
Carregue sempre um “kit de emergência anti-hipo”, contendo coisas como um carboidrato de rápida absorção, glucagon, pulseira ou placa de identificação de portador de diabetes e seu medidor de glicose, por exemplo.
E, se ocorrer um episódio de hipo, tentar descobrir exatamente o que a causou, para evitar o problema no futuro e impedir sua recorrência. Converse com seu médico a respeito, pois pode ser que haja necessidade de ajustes nas doses ou tipos de insulina, alimentação, exercícios, medicamentos ou outros fatores.
O uso de uma bomba de insulina reduz em muito a probabilidade de ocorrerem episódios de hipo, porém infelizmente seu custo é muito elevado para a maioria absoluta dos portadores de diabetes que precisam de injeções diárias de insulina.
Referências
- Poretsky, L. Principles of Diabetes Mellitus. 3ª edição, 2017. Editora Springer.
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Muito esclarecedor seu post.Estou pré diabético e faço uso de medicamentos e antes de diagnosticar já tive várias crises mais fracas como essa e não sabia o que era. Hoje em tratamento não sinto mais, todavia me incomoda bastante o uso de medicamentos. Parabéns por nos fornecer esclarecimento.